terça-feira, 26 de maio de 2009

Mães e pais de criminosos (continuação)

...continuação do Capítulo IV.
Em um caso não tive pena da mãe. Foi em um bairro muito pobre. Em uma casa imunda e fedorenta, perguntei se o réu estava. A mãe dele me disse que ele morava lá, mas não estava no momento. Eu então disse que voltaria mais tarde, no mesmo dia. Ela então falou de forma ríspida:
- Diga-me a hora exata em que você voltará. Ou você pensa que meu filho ficará o dia inteiro te esperando?
Eu poderia estar enganado, mas esse seria um caso em que a má criação teria produzido um bandido. Ao contrário de mães tristes e envergonhadas que normalmente eu encontrava, dessa vez eu estava diante de uma mãe grosseira e arrogante. Como eu estava já acostumado com essas situações, respondi calmamente:
- Senhora, eu não sei a hora exata que voltarei. Eu tenho muitos mandados para cumprir aqui no bairro. Eu posso certificar que não encontrei seu filho neste endereço e dar por encerrada a questão.
O fato é que voltei mais tarde no local e o rapaz estava me esperando. Ele recebeu a citação educadamente, disse que iria comparecer à audiência caso contrário daria “probrema”.
Encontrar mães das vítimas era bem menos comum. Era, evidentemente, uma situação igualmente triste. No meu caso havia uma vantagem: não era caso de morte, porque crimes dolosos contra a vida são de competência do Júri e eu trabalhava em uma vara criminal comum. Eu poderia ter casos envolvendo latrocínio (roubo seguido de morte) ou um homicídio culposo (sem intenção de matar). Mas, felizmente, não encontrei nenhuma mãe de vítima desses crimes.
Os pais tinham comportamento semelhante ao das mães. Mas ao menos em um caso me lembro de um pai dizendo que o filho “não prestava”. E ainda se referiu à naturalidade do filho, que era do mesmo Estado do Presidente da República da época, para dizer que os dois “não prestavam”.
Um caso interessante que envolveu um pai ocorreu no Jardim Paulista. O edifício em que eles moravam era de alto nível. Eu tinha de cumprir um mandado de prisão.
É isto mesmo: é expedido mandado de prisão para o Oficial de Justiça cumprir. Teoricamente, o Oficial de Justiça deveria, em caso de resistência à prisão, solicitar auxílio policial para cumprir o mandado. Só que ninguém fazia isso, simplesmente porque nesses casos o réu já tinha sumido há muito tempo. Por isso, entre os oficiais de justiça, era corrente o pensamento de que mandado de prisão era o mais fácil de todos: bastava ir até o local ver se o endereço existia de verdade e certificar que o réu não mais residia ou trabalhava mais no local.
Só que às vezes a coisa poderia ser diferente. Eu cheguei até o edifício e fui atendido pelo porteiro do prédio bacana. Como sempre fazia, perguntei pela pessoa, sem dar mais informações. Ele me olhou de um jeito desconfiado, perguntou quem eu era. Eu disse, simplesmente, que queria falar com o Sr. Fulano. O porteiro hesitou um pouco, interfonou para o apartamento do réu. O pai desceu e veio falar comigo de um jeito nada delicado:
- Posso saber do que se trata?
Eu me identifiquei como Oficial de Justiça e disse que tinha uma comunicação para entregar. Perguntei se o Sr. Fulano estava no apartamento, pois as intimações devem ser entregues pessoalmente, nem mesmo os pais poderiam receber.
O pai do réu insistiu que ele não estava no apartamento, bem como não sabia o paradeiro do filho. Eu desconfiei que ele estava mentido: ou o réu estava no apartamento ou o pai sabia onde ele estava. Afinal de contas, ou o pai estaria protegendo o filho ou não. Na última hipótese, ele iria abrir jogo, falar que o filho era mau caráter mesmo e que tinha ido para o local tal no ano tal e que não queria mais saber dele.
Fiquei conversando com o pai para ver qual procedimento adotar. Ele então me disse:
- Isso que está ocorrendo é um crime!
Surpreso, perguntei:
- Que crime?
- Um crime contra o meu filho. Depois de tanto tempo esse processo ainda existir!
Nesse momento minha suspeita se confirmou: o pai estaria protegendo o filho e, pelo visto, seria bem possível que ele estivesse no apartamento. Eu então tentei explicar que, em certos casos, o réu é condenado, mas cumpre a pena em liberdade. O pai então me disse:
- Acontece que meu filho já tem outra condenação, mais antiga ainda. Foi tudo culpa de uma sem vergonha que ele se envolveu!
O filhinho do papai era um “anjinho”, claro... Tudo culpa de uma sirigaita que levou o “ingênuo” rapaz para o “mau caminho”... O que fazer nessa situação? Colhi o nome e número do RG do pai. Certifiquei no mandado, simplesmente, que o pai do réu havia afirmado que o filho não se encontrava no local, mas que eu não tinha adentrado no apartamento para saber se isso era verdade. Devolvi o mandado em cartório. Eu é que não estava disposto a bancar o herói para prender um playboy imbecil.
Continua...

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