sexta-feira, 15 de maio de 2009

Capítulo III - Os bandidos, as vítimas e as testemunhas

Encontrar bandidos soltos nas diligências não era fácil. A maioria dos bandidos para os quais eu levei citações e intimações estavam presos. Como teremos um Capítulo específico para falar de delegacias e presídios, vou tratar aqui dos bandidos soltos, ou melhor, dos réus soltos: temos de presumir que todos são inocentes até o trânsito em julgado da condenação!.. A partir de agora, portanto, não irei usar o vocábulo bandido, mas sim o vocábulo réu.

A maioria dos processos criminais é precedido do inquérito policial, que reúne as provas contra determinado(s) pessoa(s) e embasa a denúncia do Ministério Público. Isso significa que quando eu recebia um mandado de citação (ato do juiz que chama o réu ao processo para se defender), na maior parte dos casos, o réu já sabe que o processo existirá. Assim, quase sempre eu não encontrava o réu no seu endereço, pois ele já tinha sumido.

Mas tinha um crime específico que eu sempre encontrava o réu: era o crime de falso testemunho. Uma pessoa teria feito uma afirmação falsa em um depoimento como testemunha e o Promotor decidia ajuizar um outro processo contra ela. Nesse caso, a testemunha era o réu no processo criminal por falso testemunho. Como ela não esperava por isso, o Oficial Bruno a encontrava no seu endereço.

Nunca tive qualquer problema com os réus. Muito pelo contrário, todos me recebiam muito bem. Na maior parte das vezes, os réus que são achados pelo Oficial de Justiça são pessoas pobres que não têm, digamos, a assessoria jurídica mais adequada. Claro que há casos em que o mais adequado do ponto de vista da defesa do réu é ser achado no seu endereço. Mas na maior parte das vezes não era assim.

Pode parecer estranho que o Oficial de Justiça, portador de notícias ruins, seja bem recebido pelas pessoas. Mas a explicação é simples: vivemos em um país de pessoas pobres, normalmente com baixo nível de instrução, que necessitam desesperadamente de auxílio e orientação. O Oficial de Justiça, mesmo com dezenove anos (e cara de quinze), na percepção do réu, é passível de oferecer a orientação jurídica que o réu tanto anseia. Evidentemente, não é assim: quem deve prestar a orientação jurídica adequada é o advogado especializado na área criminal. Mas, na vida real, no desespero das pessoas que recebem uma “carta” do juiz, enviada por meio de uma pessoa bem vestida, nada mais natural que tentar obter com ela alguma orientação (nem que seja para depois confrontar com a orientação do advogado, caso consiga um).

O exemplo mais emblemático disso ocorreu em um edifício que nós chamávamos de “treme-treme”. Trata-se, na verdade, de um conjunto de edifícios situados na Rua Paim, no centro de São Paulo, bem perto da Praça 14 Bis (Av. 9 de Julho) e, em linha reta, também próximo da Av. Paulista. Tinha de tudo no “treme-treme”: bandidos, digo, réus, testemunhas, famílias imensas vivendo um cubículo, maconheiros, prostitutas, idosos abandonados, imigrantes bolivianos, adolescentes com potentes aparelhos de som etc. Eu nunca ia ao “treme-treme” para cumprir um mandado: sempre havia uns três ou quatro mandados para citar ou intimar réus ou testemunhas. Nesse ponto era bom: em um endereço, conseguia cumprir mais de um mandado.
Pois bem, eu fui ao apartamento do réu para fazer a citação e a pessoa que me recebeu disse que ele estava no bar situado na parte de baixo do edifício. Tem este detalhe: na parte térrea dos edifícios do “treme-treme” havia vários bares, que ficavam cheios durante todo o dia. Fui até o bar e perguntei pelo Fulano de Tal (não lembro o nome dele). Ele estava conversado com outras pessoas e, educadamente, eu me dirigi a ele e pedi para falar em particular. Ele me disse que eu poderia falar na frente dos outros. Um pouco incomodado, eu me identifiquei como Oficial de Justiça e comecei a explicar do que se tratava do jeito sutil que usava:

- Há uma acusação contra o senhor e o Juiz montou um processo para que o senhor possa se defender dessa acusação...

Isso não era nenhuma mentira. Eu colocava no impessoal a acusação e dizia que o ato do juiz tinha sido feito para a defesa do réu. Muito melhor do que dizer “você está sendo processado em razão de ter cometido um crime e deve comparecer no fórum se não quiser ser preso”...
Nesse momento, eu fui abordado por várias pessoas que queriam orientação jurídica. Tentei explicar o que era um mandado de citação, como funcionava um processo criminal, mas deixando muito claro que eu era apenas um Oficial de Justiça, bem como que era adequado a pessoa procurar um advogado especializado na área criminal para a devida orientação.
O réu começou a sair de fininho enquanto eu estava tentando me desvencilhar das pessoas que me abordaram. Eu percebi esse movimento e fui atrás dele.
Então ele me perguntou:
- Você trabalha no fórum e talvez possa me ajudar. Eu estou com vários processos. Você poderia dar um jeito de sumir com esses processos para mim. Nós então faríamos um acerto.
Quando ele disse a palavra “acerto”, percebi que ele já estava bem familiarizado com uma determinada prática que eu já tinha ouvido falar, mas nunca tinha presenciado.
Atualmente, existem os juizados especiais criminais, nos quais o réu indeniza a vítima para pôr fim ao processo. O acordo pode ser celebrado com o promotor e às vezes envolve doação de cesta básica para creches, instituições filantrópicas etc.
Naquela época, não existiam os juizados especiais criminais. Mas eu ouvia muito falar a respeito do acerto, que funcionava mais ou menos assim:
continua...

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