sábado, 16 de janeiro de 2010

Advertência ao leitor

Quando algumas pessoas me sugeriram escrever sobre as minhas experiências como oficial de justiça de uma vara criminal, a idéia era "romancear" um pouco os acontecimentos, "aumentar" os fatos, e criar um livro de literatura interessante para o leitor. Seria um livro escrito com os vários elementos de marketing editorial (escrever o que o leitor quer ler) para ser um sucesso de vendas.

Mas essa idéia desapareceu por completo logo no início do trabalho: eu comecei a escrever e vi que não precisava "romancear" nada. Por que seria necessário "romancear" a atuação de um advogado de bandido rico plantando uma nulidade no processo? Ou uma delegacia de polícia com quarenta presos cumprindo pena em uma cela feita para abrigar provisoriamente apenas dois? Como “romancear” o cheiro de uma favela? Não precisei "aumentar" nada, apenas descrevi os fatos exatamente como eles ocorreram.

Muito ao contrário, até omiti alguns dados! Situações nada abonadoras para pessoas famosas, por exemplo, foi algo que abordei com muita cautela (mesmo sem colocar o nome da pessoa, será fácil para o leitor mais esperto identificar quem estou falando). Também foi delicado descrever como funcionava a corrupção, que envolvia pessoas de várias categorias profissionais. Mas isso foi feito, embora com o cuidado de se evitar generalizações, tão a gosto da pauta atual da mídia.

O cenário do livro é a cidade de São Paulo nos anos 1989-1991. Época em que produtos Made in China eram exóticos, a inflação era alta, a classe média tinha medo do Lula, Saddam Hussein era aliado e financiado pelos EUA, não existia telefone celular (nem Google, nem internet), e falar mal de imigrantes nordestinos era socialmente aceitável.

Embora situada em uma época próxima, em uma cidade familiar e versando sobre temas corriqueiros, a proposta é fazer o leitor “submergir” em um mundo, na verdade, muito diferente: o mundo que vi como Oficial de Justiça da 14ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado de São Paulo. O livro mostra também como era o universo de um estudante do primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Utilizei, tanto quanto possível, a linguagem da época, inclusive as gírias e o vocabulário típico dos policiais, dos presos, dos favelados, dos empresários, dos estudantes de direito e das demais pessoas abordadas no texto.

Procurei fazer um relato verídico da situação, sem moderar a linguagem, a partir da ótica que eu tinha do mundo aos 19 e 20 anos de idade. Isso levou à seguinte crítica da minha mãe, a primeira pessoa que leu, na íntegra, a primeira versão do livro, antes de sua publicação, referindo-se ao fato de eu dar “notas” à beleza física das mulheres mencionadas no texto:

“Acho que estas classificações não ficam muito simpáticas no livro. Entre homens, numa conversa, tudo bem. Mas no livro parece machismo, preconceito.”

A despeito disso, mantive as classificações, mesmo correndo o risco de desagradar o público feminino. Não quis escrever um livro “politicamente correto”, muito menos usar da linguagem para mascarar a realidade: consciente ou inconscientemente, avaliar a beleza física das mulheres, além de outras características, era algo que eu fazia quotidianamente e não poderia deixar de constar do livro. Porém, em vez de dar notas de zero a dez, usei as classificações das chamadas “agências de risco”, A+, A-, B+, B-, C+ etc, como uma ironia fina, já que essas “agências de risco” falharam totalmente ao dar notas boas para instituições financeiras que vieram a falir. No fundo, trata-se de algo próximo de uma autocrítica: não se pode estabelecer um “ranking” objetivo da segurança dos bancos – nem da beleza física das mulheres...

Seja como for, no final a minha mãe gostou do livro, embora ela seja a pessoa mais suspeita para avaliar qualquer coisa que eu faça:

“Filho.
É incrível como você escreve bem: não há erros de digitação. Só alguns “eus” a mais, digo, que não fazem falta e uma ou outra coisinha. No geral eu me emocionei e me orgulhei muito, principalmente da postura ética, tão importante para as pessoas. Saber que eu ajudei a formar você me orgulha muito.”

Com a leitura do livro, ficará claro porque eu inseri os comentários da minha mãe nesta “advertência ao leitor”.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Capítulo XIII - A corrupção na polícia e no Judiciário

Falar de corrupção é um tema delicado, quando se deseja fazer uma abordagem séria. Digo isso porque os grandes jornais adoram tratar do tema, mas quase sempre o fazem de forma inadequada, não sei se de propósito ou em razão da má qualidade do corpo de jornalistas.


Explico: quando se faz uma matéria ampla a respeito de qualquer tema, a abordagem é necessariamente genérica. Por exemplo, imaginemos uma matéria a respeito de corrupção na polícia. Se a matéria não tratar de um ato isolado (ex. existência de uma rede de corrupção), deveria necessariamente demonstrar onde estão os focos de corrupção, o que está sendo feito para combater esses focos e apresentar também como é o trabalho dos policiais que não são corruptos. Isso seria uma abordagem honesta do problema. Mas não é isso o que normalmente acontece. A coisa fica ainda pior quando a pretexto de se noticiar um ato isolado (ex. um policial que praticou um ato ilegal), a matéria trata a questão de forma genérica, como se todos os policiais fossem corruptos, manchando a imagem de toda a corporação e ofendendo os policiais honestos.


O mesmo se pode falar de outros temas que comumente são abordados pela imprensa, como pedofilia na igreja, corrupção no Legislativo, prostituição em pescarias no pantanal, desvio de dinheiro público por parte de ONGs etc. A lista é imensa...


Eu não tenho aqui a pretensão de fazer uma “radiografia” da corrupção na polícia e no Judiciário. Eu não fiz nenhuma pesquisa com métodos adequados para obter um resultado preciso. Ao contrário, posso apenas narrar fatos isolados que vi na época em que era oficial de justiça. Nada mais.


Não espere, portanto, narrações bombásticas, do tipo de que se vê quase que diariamente na imprensa. Se eu pensasse em termos de marketing editorial (método para fazer este livro emplacar na lista dos mais vendidos), seria o caso de demonstrar a existência de uma ampla rede de corrupção na polícia e no Judiciário e fazer denúncias contundentes contra pessoas famosas. Lamento desapontar o leitor que quer isso: não tenho essas informações consolidadas e, caso as tivesse, não as publicaria neste livro.


Com essas ressalvas, o que vi e posso descrever foi o seguinte:

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