terça-feira, 19 de maio de 2009

Capítulo IV - Minha mãe, as mães dos bandidos e as mães das vítimas. Família, pobreza e criminalidade.

Eu saía de manhã para trabalhar e minha mãe, invariavelmente, estava dormindo. Mas eu tinha que ir acordar ela para me despedir. Ela sempre me perguntava:

- Vai fazer coisa perigosa?
Por fazer coisa perigosa entenda-se citar ou intimar bandidos. Eu então respondia:
- Não, mãe, hoje só tem advogado e testemunha.
Passei quase dois anos enganando a minha mãe com essa história. Se fosse verdade, os processos só teriam advogados e testemunhas, nunca réus... O fato é que essa mentira conseguia deixá-la tranqüila e ela voltava a dormir.
Todas as mães dos bandidos que conheci achavam que os filhos não tinham feito nada, que era tudo culpa dos amigos etc. A história das tais “más companhias” é verdade: elas sempre achavam que o filho apenas estava junto com os amigos que tinham cometido os crimes ou que ele fora influenciado pelos maus amigos. Às vezes a culpa era da namorada. Nunca do filho.
Um caso interessante ocorreu em um bairro de classe baixa, mas que não era dos piores. Eu fui citar o réu na casa dele e, lá chegando, fui atendido pela mãe e irmãos. Eles me explicaram que o réu estava preso, em razão de outro crime. Isso era razoavelmente comum.
Ela então me disse:
- Você não vai mais nos encontrar neste endereço, porque nós vamos nos mudar para o Jardim Ângela, vamos alugar uma casa lá.
Surpreso, eu perguntei o motivo da mudança para um bairro bem mais afastado. Os irmãos me responderam que a casa estava sendo vendida para pagar o advogado. Eu já sabia que isso acontecia: em se tratando de crime, basta um dos filhos para desestruturar toda a família. As mães vendiam tudo que tinha dentro de casa (móveis, geladeira, fogão etc) para pagar o advogado que iria tentar livrar o filho da cadeia. No caso, essa família estava vendendo a casa. Talvez mantivessem a geladeira e o fogão.
A mãe do réu me perguntou se eu conhecia o advogado. Eu disse que sim e deixei escapar que o advogado era bom. Ela então me perguntou:
- Ele é um bom advogado mesmo?
Eu disse então que não sabia ou que não teria certeza. Ela então me disse:
- Eu ouvi você dizendo que ele era bom!
Sem querer, acho que fiz um bem para ela. Certamente aquela família iria dormir bem à noite, pois o Oficial de Justiça tinha dado boas referências do advogado que seria pago com o dinheiro da casa própria que estava sendo perdida. O fato é que eu realmente conhecia o advogado e sabia que ele era bom. Era um desses advogados velhinhos, muito esperto, com décadas no mesmo escritório no centro de São Paulo.
Ver mães de bandido chorando era algo comum. Os irmãos ficavam envergonhados, pediam desculpas etc. Eu realmente tinha pena das mães dos bandidos. Eu também tinha pena dos bandidos que sofriam na prisão, mas sabia que eles somente estavam lá em razão de terem cometido crimes. Só que as mães não tinham cometido crimes e possivelmente estariam sofrendo tanto ou mais que seus filhos. Talvez elas tivessem culpa por não ter criado os filhos corretamente. Hoje tenho a convicção de que em grande parte dos casos, talvez na maioria das vezes, as mães não têm culpa por terem um filho bandido: em um país com ainda gravíssimos problemas sociais, as chances das coisas não darem certo é muito grande. Para as mães que, em situação adversa, têm filhos honestos e trabalhadores, fica registrado os meus sinceros parabéns.
Para quem se interessa pelo tema da criação de filhos em uma situação adversa, recomendo o excelente filme nacional Linha de passe, dirigido por Walter Salles < http://www.paramountpictures.com.br/linhadepasse/> (mas é bom estar preparado para ver um filme forte, bem realista). Quando vi o filme, óbvio, lembrei da época em que fui Oficial de Justiça. A vida de muitas pessoas pobres em São Paulo pode ser muito parecida ou mesmo idêntica ao que o filme mostra. É claro que há inúmeras famílias pobres que são estruturadas, que os filhos vão à escola, progridem na vida etc, mas isso não dá filme ou notícia (e provavelmente não serão visitadas pelo Oficial de Justiça da vara criminal).
Sempre rejeitei a idéia de que “a violência é uma conseqüência da pobreza”, exatamente porque a maioria das pessoas pobres são honestas e trabalhadoras. E eu vi, muito, criminosos originários das classes média e alta. Culpar os pobres pela criminalidade é, realmente, uma ofensa ao povo brasileiro. Mas é indiscutível que a desigualdade social, a desestruturação familiar, o abandono, as más condições de vida, a falta de orientação são fatores que podem levar alguns indivíduos a cometerem crimes. A questão é complexa. Sob um aspecto, pode ser matemática: um percentual de indivíduos em uma determinada situação irá proceder de uma determinada maneira – o restante irá proceder de outra, óbvio. Em países como a Suécia, no qual o Estado tem um papel decisivo para efetivar políticas de bem-estar social, a criminalidade é baixa. Já em países como EUA, em que ainda vigora as teorias liberais, a criminalidade é proporcionalmente muito mais alta do que nos demais países ricos que adotam políticas sociais comprovadamente eficientes.
Em um caso não tive pena da mãe. Foi em um bairro muito pobre. Em uma casa imunda e fedorenta, perguntei se o réu estava. A mãe dele me disse que
continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário