domingo, 31 de maio de 2009

Capítulo V - Investigadores de polícia, carteiros e cobradores de ônibus.

Nas diligências, era comum encontrar investigadores de polícia, mesmo fora das delegacias. Em uma entrevista que li recentemente na internet, uma oficial de justiça teria dito que a relação dos oficiais de justiça com a polícia era ruim. Digo, sinceramente, que essa não foi minha experiência. Pelo contrário, investigadores e agentes da polícia civil sempre davam boas conversas e eu os achava muito divertidos. Também não tive qualquer problema com policiais militares, mas em geral eles eram sérios e de pouca conversa.


Os policiais civis trabalhavam em dupla nas diligências com viatura. O agente policial dirigia o carro e o investigador ia no banco do carona.


Uma vez eu estava caminhando em uma avenida situada próxima à divisa com Diadema quando, subitamente, uma viatura da polícia civil parou na minha frente, o investigador desceu e disse bruscamente:


- É você que nós queremos!


Eu entendi na hora: eu estava com o guia de ruas na mão. E perguntei, já rindo da brincadeira:


- Vamos lá, que rua vocês querem encontrar?


Nisso o agente policial já tinha descido do carro e estava dando gargalhadas com a tentativa de susto que não deu certo e ficou mais engraçada ainda.


Eles me disseram o nome da rua e eu localizei no guia. Aproveitei e pedi uma carona para eles, que era para um local próximo. Só que eu disse que queria ficar uma rua antes da rua que eu tinha de ir, para não chegar no local em uma viatura da polícia.


Explico: chegar em uma viatura da polícia poderia assustar as pessoas e se eu estivesse buscando um réu, possivelmente haveria uma reação armada. No caso era apenas uma intimação de testemunha, mas mesmo assim eu não queria arriscar.


Os dois estavam conversando sobre um empréstimo e o investigador ficou dizendo para o agente: “se você não me pagar, ó...” e balançava o revólver...


Eu não consegui prender o riso e então eles me perguntaram se eu não gostaria de ir fazer a diligência deles com eles. Eu gentilmente disse que não, alegando que estava com muito serviço.


Não sei se ainda existe, mas naquela época tinham policiais civis que permitiam pessoas que não eram policiais acompanhassem ou realizassem as diligências. A gíria utilizada para designar essas pessoas era “ganso”. Não faço a menor idéia da razão desse nome, mas imagino que nos momentos de suposto perigo, o ganso deveria gritar de medo ou de excitação...


Havia dois tipos de “ganso”: o que pagava para ser “ganso” e que recebia para ser “ganso”.
Eu nunca vi um “ganso” em ação, mas conheci um cara, um colega de faculdade, que era “ganso” (também chamado de gansopol, porque a abreviatura de investigador de polícia era investpol).


As histórias que eu ouvia eram mais ou menos assim: o ganso que pagava para ser ganso era normalmente um comerciante da Zona Leste de São Paulo que queria brincar de ser policial, indo em diligências para mandar os suspeitos colocarem a mão da parede, pedir documentos, gritar “polícia, todo mundo parado!”, essas coisas, tal como a gente vê nos filmes.


Mas havia o gansopol que recebia para fazer algum tipo de trabalho para os investigadores. Quem pagava? Ora, os policiais não iriam tirar dinheiro do bolso para pagar o ganso. Portanto, ainda de acordo com as histórias que eu ouvi - que podem ser mentirosas -, o ganso ficava com uma parte da res furtiva que poderia ser apreendida nas diligências (res furtiva significa coisa furtada ou roubada).


Claro que todas essas histórias de gansos eram divertidíssimas.


Um investigador uma vez me disse que o ideal seria uma equipe ter três tiras, pois aí “um dá cobertura enquanto dois chegam junto”. Essa frase foi dita por um investigador que conheci em uma delegacia. Ele era muito gordo, usava um bigode aparado em cima (para ficar comprido e estreito), deveria ter uns quarenta anos. Eu achei essa história da equipe ideal muito engraçada, mas eu a contei para outras pessoas que não viram nada de mais.


Esse cara contou também como funcionava o esquema de casas de massagens, que tinham uma placa escrita “relax for men” na porta. Teoricamente, casa de prostituição é ilegal. A prostituição, em si, não é crime no Brasil, mas tirar proveito da prostituição alheia é crime. Pois bem. Eu perguntei para esse investigador muito gordo como é que a polícia deixava essas casas funcionarem. Ele me respondeu:


- Olha, raramente a gente recebe ordem para dar batida nesses locais. Quando mandam, a gente vai, lavra o flagrante, prende o gerente etc


E ele completou dizendo que fora dessas situações, era possível ir a essas casas e pegar uma puta sem pagar nada. Mas ele fez questão de dizer:


- Mas a gente sempre deixa uma gorjeta para elas. Aí fica tudo certo.


Confesso que acreditei nessa história, porque não duvido de como o mundo pode ser cruel. Eu fiquei imaginando uma puta magrinha tendo que dar para o investigador gordão...


Outro profissional que eu sempre encontrava em diligências eram os carteiros. Quase todos bem humorados, conheciam todas as ruas do bairro de cabeça (não precisavam nunca consultar o guia). Quando eu estava perdido, se surgisse um carteiro o problema estaria resolvido, pois eles sempre sabiam como chegar no local e sempre ajudavam.


Uma vez aconteceu isso e depois da diligência feita eu parei em um boteco. O carteiro estava lá tomando umas brejas. Já eram umas cinco ou seis da tarde e eu estava cansado de andar. Sentei à mesa com ele e começamos a conversar. Papo vai, papo vem, ele fez uma revelação:


- Eu tenho uma filha de nove anos fora do casamento. Só que a minha mulher não sabe...


Perguntei há quanto tempo eles estavam casados. Ele me respondeu que moravam junto há uns cinco ou seis anos. Então eu disse:


- Ué, por que você não contou para ela?


Aí ele me explicou que além do tempo em que moravam junto, teve um tempo de namoro, que ele ficou pegando as duas mulheres na mesma época. Contou o rolo todo, mas eu não prestei atenção nos detalhes, pois para mim o mais curioso era o fato dele contar a existência da filha para mim, que ele tinha concedido há menos de uma hora, e não contar para a mulher que divide a vida com ele.


No dia eu não entendi que ele queria apenas dividir a culpa que sentia por causa disso. Se eu dissesse que não tinha problema algum o cara ter uma filha fora do casamento sem a mulher saber, estaria tudo bem. Eu não cheguei a dizer isso, mas também não dei lição de moral no cara.


Quem eu conversava diariamente eram os cobradores de ônibus. A maioria deles não gostava do oficial de justiça. É que continua...

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