quinta-feira, 23 de abril de 2009

Capítulo I - A primeira favela. O lado pobre da rica cidade de São Paulo.

Desci do ônibus em uma avenida de um bairro pobre, chamado Americanópolis, que eu nunca tinha ouvido falar, mas que iria ser muito familiar no futuro. O ônibus tinha saído do metrô Jabaquara, última estação da linha norte-sul (que hoje se chama “linha azul”), no sentido sul. Segui o roteiro traçado, orientado pelo guia de ruas da cidade de São Paulo.

O sol tinha aparecido e estava alto. O tempo começava a esquentar.

Era a minha primeira diligência como oficial de justiça: eu estava perdendo o cabaço naquele dia. Aliás, estava perdendo o cabaço duplamente: era a primeira vez que eu saía sozinho para cumprir um mandado e era a primeira vez que eu andava no meio de um bairro pobre da periferia de São Paulo. Por isso me lembro de cada detalhe daquele dia.

Passei por uma rua sem asfalto e com casas de alvenaria, quase todas pintadas, mas a maioria com tinta desbotada. Algumas casas estavam apenas com o reboco, a espera de uma pintura que talvez jamais viesse; outras estavam com tijolo aparente.

A rua fedia a esgoto. Mais tarde eu iria saber que esse não era o cheiro da favela, mas apenas de um bairro pobre. Sim, o cheiro da favela é mais intenso, especialmente em um dia quente como aquele. Havia algumas crianças brincando na rua, que tinham cheiro de manteiga. O calor e a falta de banho fazem a pele produzir grande quantidade de suor e gordura e manteiga nada mais é que gordura animal.

Continuei seguindo por aquela rua, que não era o local em que eu tinha de fazer uma intimação. De repente, a rua acabou: virou um barranco, comido pela erosão das chuvas, mas com casas dos dois lados. Desci o barranco, e duas pessoas me olharam. Ouvi um comentário: “deve ser um cobrador”... Outra pessoa respondeu “profissão desgraçada”.

Naquela época, todo oficial de justiça usava uma pastinha típica: pequena, quase quadrada, pouco maior do que uma folha de sulfite dobrada ao meio, feita de um material sintético que imitava couro. Nessa pastinha nós levávamos os mandados e, é claro, o guia de ruas. Depois eu descobri que não precisaria levar o guia inteiro, mas sim apenas a parte do guia que contém as páginas com o mapa da cidade, deixando o índice de ruas em casa.

Em São Paulo, todo bairro pobre tem um sistema viário absolutamente caótico e ilógico. Ruas pequenas e tortuosas, sem qualquer planejamento. Eu estava no meio do que o liberalismo econômico tem de pior: um bairro feio, desordenado, com casas feias, cachorros feios e pessoas mal vestidas que pareciam ser mais velhas do eram realmente. Eu estava na parte podre da maçã e tive certeza de que essa seria a minha vida durante um bom tempo.

Consegui encontrar a rua em que tinha de fazer a diligência. Era uma intimação de uma testemunha que se chamava José da Silva. Nome comum, pensei. As casas dessa rua tinham dupla numeração, que não seguiam uma ordem estrita, mas percebi que os números decresciam à medida em que eu andava em direção ao final (ou começo, sei lá) da rua. Não achei o número que procurava. Concluí que deveria ter passado da casa. Voltei pelo mesmo caminho e não achei a casa que procurava. Fui checar, no mandado e no guia, se eu estava na rua correta. Sim, eu estava... Mas a casa não existia. Na verdade, o “José da Silva” também não existia, simplesmente porque ele era o que no vocabulário prático-forense era chamado de “testemunha de arquivo”. Mas eu só fui saber disso bem mais tarde, quando passei a conhecer as malandragens dos advogados criminalistas.

Decidi, então, continua...

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